O Santuário no mangá de Cavaleiros do Zodíaco é eugenista?

Laura
4 min readDec 8, 2020

Uma reflexão mais profunda pode denunciar o nazismo de Saga.

Seiya dando socão no Saga no filme do Abel.

Uma das cenas mais marcantes de Cavaleiros para mim é logo no começo da série, quando Cassius diz para Seiya que ele não merece a armadura por não ser grego.

Ao que parece, o animê e algumas edições do mangá deram uma aliviada no texto, mas originalmente o Cassius teria dito ao Seiya que “um amarelo não pode usar essa armadura”.

O animê dá um tom muito mais xenofóbico do que racista, o problema seria a distância cultural (?) do Seiya com relação ao universo ao qual os cavaleiros pertencem.

No entanto, essa frase ainda não faz tanto sentido no animê porque o Cassius reclama do Seiya não ser especificamente GREGO e, sinceramente, a própria mestra dele não é grega — a Shina/Shaina é italiana. Talvez ele quisesse dizer “europeu”.

Mas, quando pensamos no mangá, ele reclama do Seiya ser AMARELO. O problema parece menos de origem e mais de… raça. Mas, quando se fala de superioridade racial, geralmente o problema são com raças não-brancas.

O Cassius aparentemente não vê problema em quase todos os cavaleiros serem brancos, mas tem algum problema com pessoas amarelas. Porém isso fica também um tanto esquisito quando pensamos que o Cassius também não é branco e sim negro.

E aqui vem a minha pergunta: Ele é realmente negro? No animê, não temos dúvidas. Mas eu peguei me perguntando isso ao ler o mangá. Veja bem, a coloração de pele do Cassius não indica nenhum tom muito diferente do de sua mestra:

Cassius segurando Shina e pedindo desculpas por isso.

Talvez alguém pudesse questionar “mas aí é porque o Kurumada não sabia fazer!!!”, mas a série tem um personagem indiscutivelmente negro, o Crysaor, e o Kurumada fez questão de deixar isso claro na pigmentação da pele dele:

Crysar de Krishna vestindo sua armadura.

Vejam como a pele do Crysaor é de cor diferente da de Cassius ou da Shina. A única coisa que difere mais o Cassius dos outros personagens são seus traços mais “rústicos”, aparentemente a forma como o Kurumada gosta de retratar homens com uma aparência no estilo “brutamontes do mal” — o Tatsumi tem traços bastante parecidos com os dele:

Tatsumi falando para a imprensa.

Se o Cassius for etnicamente caucasiano/branco, o problema dele com o Seiya passa a ser eugenismo, o Seiya é inferior porque ele não é branco. Aí, há um sentido retirado, propositalmente ou não, no animê: existe uma ideia no Santuário de que apenas brancos podem ser cavaleiros.

Quando o Cassius fala isso, aparentemente ninguém na plateia, provavelmente composta quase totalmente por brancos (a Marin é japonesa), parece surpreso ou chocado ou horrorizado. Isso implica que é uma fala comum de se ouvir — e a Marin deve ficar quieta justamente por esse motivo.

Uma reclamação muito comum no fandom de Saint Seiya é o fato de todos os cavaleiros de ouro, inclusive os de origem não-europeia como Aldebaran e Shaka, terem olhos e cabelos claros, ou seja, fenótipos tipicamente brancos. Mas e se isso foi proposital? E se esses cavaleiros são todos brancos porque… o Santuário é eugenista?

Oras, se um asiático sofre tanto racismo lutando por uma armadura da classe mais baixa e ninguém faz nada em relação a isso, quais dificuldades passariam aspirantes a cavaleiro de ouro? E mais: e se é justamente isso que o Mestre do Santuário, aka atualmente o Saga, queria? E se os candidatos brancos são favorecidos por serem brancos?

Assim, poderíamos pensar que Aldebaran e Shaka, apesar de virem de países fora da Europa, estão lá por sua “herança europeia”, fruto do histórico colonizador que seus fenótipos representam.

O animê da Toei deixa muito clara a inclinação fascista do Santuário do Saga mostrando a relação dele com guerras e ditaduras militares. O mangá já nem mostra muito do Santuário, mas não é tão difícil entender o fascismo e autoritarismo na ideologia do Saga, segundo a qual os fracos “obedecem” aos fortes.

Seiya quase morto lutando contra Saga mas ainda em pé!
Reizinho anti-fascista e antirracista.

Faz total sentido que uma “política” do Santuário enraizada nesse pensamento tenha uma base racista forte. Faz total sentido que, além de xenófobo, o Santuário seja eugenista e nazista, e, por consequência, formado por uma elite branca. Os poucos não-brancos que conseguem algo são uma “minoria exemplar”.

Com isso, o confronto entre Saori e Saga ganha outro contorno. Apesar de Saori ser teoricamente caucasiana, a série mostra ela como japonesa. Ela não só é uma “estrangeira” para o Santuário como vai tomar de volta seu “posto” acompanhada de quatro japoneses e um “hafu” — ou seja, não há ninguém totalmente branco no “exército” dela (também não há nenhum negro).

A vitória dos cavaleiros de bronze é não só uma vitória contra o totalitarismo de Saga, é também um “murro” na ideologia nazista que vinha regendo o Santuário por pelo menos 13 anos. Faz até parecer que Atena fugiu de lá de propósito.

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