Final Fantasy X-2 é mais legal que Final Fantasy X

Laura
9 min readApr 13, 2019

[ATENÇÃO: ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERS DESSES DOIS JOGOS DE MAIS DE 10 ANOS ATRÁS]

Aqui temos um opinião super impopular! Ao menos, na minha experiência: sempre li por aí que Final Fantasy X-2 é uma fanfic ruim de FFX e eu não poderia discordar mais. Aqui irei falar do motivo pelo qual acho FFX-2 um jogo bem mais interessante.

Mas antes, vamos falar sobre FFX: caso você não seja dessa época, esse foi um dos RPGs que marcaram no PlayStation 2, foi o primeiro Final Fantasy com cenários 3D, dublagem e cenas cinematográficas que faziam o PS2 fazer um barulho esquisito e parecer que ia explodir. Você começa jogando com o Tidus, um moleque mimado detestável que é também um jogador no auge da carreira de blitzball, esporte inventado no jogo. Um dia, durante uma partida, a megalópole onde ele mora sofre um ataque e ele acaba transportado para 1000 anos no futuro, quando o mundo se chama “Spira” e está constantemente ameaçado por Sin, o bichão que transportou ele.

Em Spira, há pessoas iniciadas na religião hegemônica, Yevon, que aprendem a invocar uns bichos chamados aeon e algumas delas partem em uma peregrinação com o objetivo de aprender a invocar o “aeon final” e derrotar Sin, ao menos por um tempo. O último grande sacerdote a fazer isso foi Braskha, trazendo à Spira uma paz de 10 anos. E o Tidus acaba indo parar numa ilha, Besaid, onde está a filha desse cara, Yuna, que, apesar de ter só 16 anos, está prontíssima para ir fazer a mesma coisa que o pai, só que ela quer acabar com o Sin de vez. Encurtando aqui a história, o Tidus se junta ao time da Yuna, rola um clima o jogo todo, rola uma cena de beijo que quase queimava o PS2 e um namorico, rola a descoberta de que Yevon é tudo errado e rola também derrotar o Sin, o que causa o desaparecimento do Tidus porque ele era uma espécie de ilusão que estava atrelada a existência do Sin. Ah, sim, rola também do Tidus virar um ser humano decente e uma pessoa admirável, sendo o desenvolvimento dele de mimado chato para gente boa um dos melhores pontos do jogo. Doido né? Mas não é desse jogo que importa falar agora.

Créditos: Square Enix

Final Fantasy X-2 se passa dois anós após o final de FF-X, tempo suficiente para estar dando uma merda política sem fim em Spira. Claro, acabou o problema do Sin, ninguém mais precisa viver com medo de morrer e aí abre espaço pra todo tipo de jogo político, ainda mais que a grande lideranças anterior, o Yevon, foi derrubada. E, obviamente, no meio dessa briga política todo mundo busca o apoio da Yuna, afinal, ela foi a sacerdotisa que derrotou o Sin e a galera ama ela. Só que a Yuna é sensata e não quer se meter nesse fogo. Enfim, a Yuna voltou para Besaid, onde ela cresceu, e tentava viver ali longe das tretas, porém sofrendo ainda com o final que o boy levou. Até que ela descobre uma coisa que a faz embarcar numa aventura com Rikku e Paine para saber se consegue trazer ele de volta.

Créditos: Square Enix

O jogo todo é uma grande viagem emocional da Yuna lidando com a perda e a esperança. Tudo isso imbicado numa trama política que até tem uma boa construção, mas eu vou deixar essa parte um pouco para lá (tem também seus momentos meio bobos, tipo a forma como o A Thousand Words faz todo mundo parar de brigar, a gente sabe que não é assim que funciona, mas é só um joguinho). Mas vou dizer que a Yuna é eficiente o suficiente para resolver os dois problemas: o dela e o do mundo.

O jogo passa um sentimento muito legal se você gosta da ambientação de FFX, é muito divertido acompanhar o que aconteceu com todo mundo, mesmo personagens que eram bem secundários reaparecem (e há também novos personagens tão divertidos quanto). A graça desse jogo é ir visitando todos os lugares do mapa e resolvendo todas as missões possíveis porque elas que encorpam o desenvolvimento da Yuna. Eu entendo quem reclama que o roteiro é fraco até certo ponto porque a main quest realmente é fraca, o que dá peso para os jogos são as side-quests e elas são, num geral, deliciosas de fazer, ao menos para mim, porque o clima do jogo é bem descontraído.

Créditos: Square Enix

Eu pessoalmente tive contato com pouquíssimos jogos cujo ponto principal é o amadurecimento psicológico de um personagem, a Yuna não tem um desenvolvimento no sentido do Tidus, que vai mudando de postura, ela vai aprendendo a lidar com sentimentos e, o mais impressionante, de uma maneira extremamente positiva (na maioria dos jogos, o desenvolvimento emocional é secundário e/ou “consequência” da narrativa, não o ponto que move ela). FFX-2 é de certa forma um jogo sobre… saúde mental.

Durante o primeiro jogo, a Yuna ocupa um papel meio idealizado, no qual ela age de maneira que, em alguns momentos, talvez seja até meio forçada. Mesmo quando ela abre espaço para sentimentos, especialmente na cena do beijo e na cena final, o jogo não se aprofunda muito nisso, até porque a narração é do ponto de vista do Tidus, esse sim sendo um personagem cujas emoções conhecemos bem. Mas nesse jogo nos temos o prazer de ver a personagem contando sua história e então conhecemos melhor seu lado mais humano e suas questões. Me agrada, nos dois jogos, que controlamos personagens que parecem mesmo pessoas nesse aspecto.

No começo da história (e num “curta” que vem de bônus no remaster e se passa entre os dois jogos), a Yuna está claramente vivendo uma dependência afetiva e um luto insuportável do relacionamento dela com o Tidus. E o pior: ela não quer largar mão disso. A garota está totalmente estagnada em um evento que ocorreu dois anos antes, presa em sentimentos com os quais ela não consegue se conciliar. É claro, isso é parte do processo de luto e os tempos pessoais de recuperação variam, mas a Yuna não estava indo para frente, ela estava parada. Isso, inclusive, não é exclusividade do jogo: é muito comum em mídias num geral as mulheres se prenderem a uma figura (frequentemente masculina) de afeto e estagnarem nisso. A personagem não anda para nenhum lado, ela fica presa no sentimento, o que impede o crescimento dela como personagem (às vezes, isso também ocorre com pessoas reais).

Se lidar com uma perda é difícil, para a Yuna é pior ainda: o Tidus não morreu, ele “evaporou”. Se ele tivesse morrido, ela poderia fazer os rituais, rezar por ele, visitar o túmulo, sei lá, várias coisas. Mas ele não morreu… mas também não está mais vivo… A existência do Tidus entra num limbo em que não se sabe se ele realmente se foi para sempre e isso atrapalha ainda mais a Yuna porque ela não consegue por um fim ao assunto, os sentimentos dela também entram num limbo. “Mas e se ele voltar?” é uma constante e com isso ela não consegue aceitar que ele partiu. No começo, dá até um pouco de aflição ver a personagem que peitou todo Yevon quase sozinha e sem medo no jogo anterior reduzida à sombra de homem e um relacionamento que não pode continuar.

Mas graças aos deuses, ela tem ótimos amigos, entre eles, a Rikku, que percebe e não se conforma com a situação da miga e incentiva ela a sair de Besaid e ir atrás do boy depois de descobrirem que talvez ele possa voltar.

Mas, durante a história, para aumentar o problema da Yuna, tem também a Lenne, uma mulher que viveu há 1000 anos atrás (sim), mas de quem Yuna consegue acessar as memórias devido a uma roupa/esfera (que era da Lenne). Acontece que o sentimentos das duas se misturam nesse contato e a Lenne também viveu uma história de amor frustrado (com um boy parecido com o Tidus), o que piora tudo para a melhor protagonista de todos os Final Fantasy.

Créditos: Square Enix

Ao longo do jogo, Yuna vai revisitando lugares e pessoas que são importantes para ela e revivendo momentos que passou com o Tidus. Ela também vai ajudando todo mundo porque ela é massa demais. Mas, enfim, é interagindo com conhecidos e pessoas novas que Yuna vai refletindo sobre a vida dela, vai se conhecendo. De certa forma, a história da Lenne também serve de espelho para ela e enfrentar o Shuyin (o boy da Lenne) no final é uma forma de bater de frente com a questão.

Me marca muito no último capítulo, um momento opcional (só surge se fizer a sidequest toda em Macalania) em que a Yuna revisita o local onde ela beijou o Tidus. Ao ficar um pouco lá sozinha, ela diz “I’m not ready to call this just a memory. Not yet.” (“Não estou pronta para chamar isso apenas de memória. Não por enquanto.”). Eu gosto desse momento porque ele mostra o amadurecimento da Yuna durante o jogo: ela entende que precisa superar a perda (o que não significa minimizá-la ou não dar importância ao que aconteceu) e entende onde ela está no processo, num momento no qual ela não consegue seguir em frente. Pode não parecer mas entender isso é um grande passo: ela não está mais estagnada num ponto, ela está tentando chegar em algum lugar, mas entendendo qual o limite e tempo dela. Isso é completamente saudável. Ela quer aproveitar um pouco mais essas memória, e tudo bem.

Essa coisa das memórias é importante ao longo do jogo, tudo vai caminhando no sentido de mostrar que ficar preso ao passado não é bom, a história da Lenne mostra bem isso porque fala sobre sentimentos não ditos, arrependimentos e como se prender ao que não aconteceu acaba virando uma armadilha.

Eu particularmente prefiro o final padrão do jogo ao final 100%, no qual o Tidus volta (a menos que você escolha o final triste). A Yuna termina o jogo salvando Spira (de novo) e, no final padrão, ela não sabe se vai conseguir trazer o Tidus de volta, mas isso já não importa tanto. Sim, ele é importante na vida dela, mas ele não é a vida dela e ela não pode deixar a sua história se resumir a ele. A Yuna aprende que cabe a ela viver a própria jornada, percebe que não tem problema mudar e que, no fim das contas, ela é que decide para onde anda e ainda há muito para aproveitar! Aqui, a Yuna resolve o conflito dela, embora ela não resolva o problema inicial (se o Tidus volta ou não) e é por isso que eu gosto. Não precisamos fechar todas as pontas, ter todas as respostas, para seguir em frente.

Quando eu digo que o jogo é sobre saúde mental é porque a Yuna tem uma resolução totalmente saudável frente aos conflitos emocionais e psicológicos dela, que são o ponto central da narrativa, graças também a uma rede de apoio de pessoas que estavam ali para ajudá-la (tenham uma amiga como Rikku e sejam a Rikku de alguém). As experiências que ela tem ao longo do jogo são terapêuticas, claro, também são fictícias, mas para mim é esse foco no emocional da personagem, que precisa passar por um denso processo de luto, que faz do jogo muito mais interessante que seu antecessor, que, apesar de também abordar o personagem principal de maneira íntima, não coloca esse tipo de questão como foco.

De certa forma, a Yuna é mais legal que o Tidus, heh. Fanfic ou não, o desenvolvimento de personagem dela é muito bem trabalhado. Ou vai ver eu só joguei quando tava numa bad e me identifiquei.

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